Por maioria, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal
Federal (STF) reafirmou jurisprudência no sentido de que é possível a execução
provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, mesmo que
estejam pendentes recursos aos tribunais superiores. A decisão foi tomada na
análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964246, que teve repercussão
geral reconhecida. Assim, a tese firmada pelo Tribunal deve ser aplicada nos
processos em curso nas demais instâncias.
O recurso foi interposto em ação penal na qual o réu foi
condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, pelo crime
de roubo (artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II, do Código Penal). A
sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou
provimento à apelação da defesa e determinou expedição imediata de mandado de
prisão, para início da execução da pena. O caso trata do mesmo sentenciado a
favor do qual foi impetrado o Habeas Corpus (HC) 126292, julgado pelo Plenário
em fevereiro deste ano.
Ao questionar o início do cumprimento da pena, a defesa
apontava ofensa ao dispositivo constitucional que garante o direito de ninguém
ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, previsto no artigo 5º (inciso LVII) da Constituição Federal.
Mesmo que os recursos aos tribunais superiores (recurso especial e recurso
extraordinário) não tenham eficácia suspensiva, a defesa entendia que permanece
válida a presunção constitucional de inocência até o trânsito em julgado.
Em sua manifestação, o relator do recurso, ministro Teori
Zavascki, se pronunciou pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria. “É
evidente que a questão em debate transcende o interesse subjetivo das partes,
possuindo relevância social e jurídica”, afirmou.
O ministro lembrou o julgamento do Habeas Corpus (HC)
126292, também da sua relatoria, em que o Supremo, por maioria, alterou o
entendimento até então dominante e retomou a jurisprudência que vigorou na Casa
até 2009, no sentido de que a presunção de inocência não impede prisão
decorrente de acórdão que, em apelação, confirma sentença penal condenatória.
Destacou ainda que a matéria voltou a ser apreciada pelo Plenário no mês
passado e, na ocasião, ao indeferir medidas cautelares nas Ações Declaratórias
de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, os ministros, por maioria, reconheceram
que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da
pena após condenação em segunda instância.
Segundo explicou o ministro, toda pessoa acusada de
delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se prova sua
culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem
todas as garantias necessárias para sua defesa. “Realmente, antes de prolatada
a sentença penal há de se manter reservas de dúvida acerca do comportamento
contrário à ordem jurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os
efeitos mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação, a
presunção de inocência”, afirmou.
Mesmo a sentença condenatória, juízo de culpabilidade que
decorre dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso
de ação penal, fica sujeita à revisão por tribunal de hierarquia imediatamente
superior, se houver recurso, destacou o relator. “É nesse juízo de apelação
que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e
provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do
acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de
jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante
ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido
apreciada ou não pelo juízo de origem. Ao réu fica assegurado o direito de
acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões
cautelares porventura decretadas”, explicou.
Ressalvada a via da revisão criminal, é nas instâncias
ordinárias que se esgota a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse
aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado, resumiu o
relator. Isso porque os recursos de natureza extraordinária não configuram
desdobramentos do duplo grau de jurisdição, por não se prestarem ao debate de
matéria fático-probatória. Assim, enfatizou o ministro, com o julgamento da
segunda instância se exaure a análise da matéria envolvendo os fatos da causa.
Nesse sentido, frisou o ministro Teori, a execução da
pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o
núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o
acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário
criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como
respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual.
O ministro citou estudo de direito comparado para mostrar
que em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a
execução de uma condenação fica suspensa, aguardando eventual referendo de
Tribunal Supremo. Listou, como exemplos, as legislações de Inglaterra, Estados
Unidos da América, Canada, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina.
Com esses argumentos, o ministro Teori Zavascki se
manifestou pela existência de repercussão geral na matéria e, no mérito, pelo
desprovimento do recurso, com reafirmação da jurisprudência do Supremo, fixando
a tese de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em
grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo
artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”.
Resultado
A manifestação do relator pelo reconhecimento da
repercussão geral foi seguida por unanimidade no Plenário Virtual. O mérito foi
decidido diretamente no mesmo sistema, por tratar-se de reafirmação da
jurisprudência consolidada no STF. O entendimento, nesse ponto, foi firmado por
maioria, vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio
e Celso de Mello. A ministra Rosa Weber não se manifestou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário